30.6.08

Filigranas de Rembrandt

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Estive às voltas com filmes que não me agradaram.
No teatro, duas obras, ambas insignificantes... carentes de toda sorte de precisão: da luz à sombra. Eu tentei.
E vi esta tarde três ou quatro Rembrandts (1606-1669).
A semana redime-se aqui.

Tenho os olhos cheios da mais tênue luz a escorrer sobre tudo o que me toca.
Detive-me por horas, diante das poucas imagens. E senti necessidade de retornar a elas mais uma e outra vez.


A Holanda dele fascina.

Demorei-me tempo bastante diante das obras para saber a paixão.

As linhas ali se retorcem, contornam e vagueiam sobre a fibra do tecido. São voltas e, interrompendo-se, sofrem pulsões, forças. São filigranas de um mundo de desrazões e razões. Nôa há linhas a contornar as formas. Há luminescências que brotam do negro/escuro/claro amarelado e dourado. Escrituras de manchas na superfície da pele da pintura... Delicadezas de mãos do artista, enxugadas nas fibras de cada imagem; adivinha-se um fio de suor e genialidade ali.

Filigranas de Rembrandt fazem ver olhos escondidos nas imagens. É a pintura que me olha com olhares de um mundo em linhas de fuga, olhos esfumados e de intensas e profundas e distantes e próximas luzes esmaecidas. As transversais e as rotas de fuga, mundos em abismos, revolta, escarpas, penhasco.

Ílinx! Vertigem dos sentidos.

Philosopher in Meditation

Jogos de armar nos negros de fumo, nas graxas, no malsão carvão, nestas nuvens de cinzas.

Os amarelos abrazam para além das figuras, incendiam à bastança a secura que há lá; às vezes, num destes instantes, períodos em que o cotidiano se faz brazil. Brotam amarelos e ferrugens das terras ali, de onde não se suspeita infinitas paisagens de areias e pedras, aliás, que jamais se mostram nas obras que eu visitei. O amarelo delas é o deserto e a impessoalidade, um convite à intimidade, à penumbra, à alcova em Delft. Não haverá céu com luz amarelada e clara na Holanda? Haverá este sol de pintura que Rembandt contrói e faz tudo ressecar à luz dele? A pintura dele é lume.

Linha e plano em Rembrandt confundem a profundidade. Escorrem da realidade o óleo quente e a tela. Derretem-se as outras imagens. Não, não há nada ali de surreal. É mesmo o substrato do real, a melhor abstração sobre ele: o real inventado pela inteligência do pintor que se mão, que se obra. Presentifica e não mostra, não apresenta, mas faz existir. A profundidade está ali, no plano do tecido. E não existe profundidade.
Reinventam-se os meus olhos, a imaginar um mundo de sombras e luzes.
A pele desta pintura é mais funda, aprofunda a plana superfície das telas. Caleidoscópio!
Demasiado na pintura deste holandês não parece existir. Nem há calma. Nem tempestades. Quiçá, mistérios!

Reinvento e descrevo. Não, a pintura dele. Ela se basta e se ilustra, embora não se descreva. Presentifica-se, já disse. Quem se recria ali, diante dela, sou eu.

Artista engana.
Artista não finge ou vacila.
Precipita-se!
O desenho de Rembrandt refez um caminho para este meu dia.
O desenho dele, um pensar co'as mãos, pincéis e infinidades que possam haver nos olhos.

Evohé!



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