21.11.07

VAIDADE

*

VAIDADE
VAIDADE
VAIDADE
NEM TUDO É VAIDADE
NO DUOMO
TEIAS TECEM
URDIDURA
TESSITURA
TRAMA
PENDIDAS
NO TEMPO DO TEMPLO
URDE E TECE URBES
ORBES SIDERAIS
DOS ANTIGOS DEUSES PAGÃOS
ENTERRADOS SOB ESTAS BRANCAS
ENEGRECIDAS PAREDES LÁPIDES SECULARES
A JORRAR SOBRE A PRAÇA SENTIDOS DO CONSPÍCUO
VERBO... VERBO... VERBO...
DORME CÓSMICO
ACORDA HOMEM
DESPERTO
DESERTO
PERTO
DESENHADO NA ABÓBODA COLOSSAL
O CHORO DE PERVERSOS E RESSENTIDOS
ORA CHORAM CERA
ORA EXUDA A VERGONHA DO MÁRMORE
A RESISTIR, A DURAR, A GUARDAR, A REVESTIR.
GRENÁS ESSAS MISSAS EM TRAÇAS BORDADEIRAS DO TEMPO
NAS VESTES DAS VELHAS BEATAS
A RUIR SUAS SANTAS TETAS
ONDE A HUMANIDADE SEU LEITE BEBEU
HOJE APENAS BEBEM OS ABUTRES DE ANÉIA, PELERINES E CRUZES DE OURO
AS SANTAS PRETAS AUSENTES NESTES ALTARES
NAVE DOS OLHOS DO MUNDO
MORRERAM DESDENTADAS
NO PÁTIO DE ALGUMA ALDEIA
VISITADA PELA ANGÚISTIA DESTES VERMES
RASTEJANTES UM DIA COM SEUS OLHOS DE PIEDADE
VOZES DE POMBAS MOFAS,
SUBINDO DAS PAREDES ÀS SUAS VEIAS DE LEITE
DAQUI RETIRARAM A VIDA
PLANTARAM O SEU PRÓPRIO PECADO
ONDE NASCE ESTE SEPULCRO CATEDRAL
SEUS NICHOS DE POEIRA DE OLHOS VITRAIS DAS ANTIGAS DEUSAS
EMASCULADOS SEUS LÍRIOS VESTEM-SE AGORA NÉSCIOS
NEM PUROS, NEM ALVOS
SÃO APENAS CÍRIOS MUTILADOS
VAZADOS PELOS CANAIS DE VENTO
DAS FERIDAS QUE SOPRAM DO ORIENTE
NA PIEDADE DIVINA
NOS OLHOS ÁRABES
DESTAS DEUSAS NEGRAS TRAVESTIDAS CRISTÃS
IMPUGNAM-NOS À LIBERDADE
À SACRA CULPA EM BOCAS MIÚDAS COCHICHOS A MALDIZER
ROUBA-NOS O SILÊNCIO
AS ANTIGAS CATACUMBAS
DESFAZ-SE A NOSSA ALMA EM PÓ
VONTAREMOS AO SACRO OFÍCIO DO MÁRMORE
PINTADOS MENINOS
PUROS LEVES E FAMINTOS
SORRINDO NO SEPULCRO DAS ROCHAS POMBAS
CIRCUNDADOS OS ROSÁRIOS NA NOSSA GARGANTA
ENGOLINDO CONTA A CONTA DESTAS PÉROLAS ACRES
QUE ESCORREM DOS DEDOS DAS NOSSAS MÃES SEM ROSAS,
FIOS DAS FIBRAS DO NOSSO PEITO
FILAS DE CICATRIZES CRUZES
TECELÃS DE NOSSO SUDÁRIO
INÚTIL TAPAR ESTAS VERGONHAS
O CORPO NÚ DESTE HOMEM
NO CONFESSIONÁRIO DE PUNHAL
E ESPADA NO MAPA DA DESOLAÇÃO
NA LINHAGEM NOBRE DA NOSSA HUMANA SOLIDÃO
BEATAS ZIGUEZAGUEANTES NA NAVE CENTRAL
CORRENTES PÓLVORA AZUL-CHUMBO
TITUBEAIAM NOS CORREDORES DANTESCOS ENTRE GRADES
ARRASTAM-NOS CONSIGO PENSAMENTO, ATO E PALAVRA
OMISSÕES OMISSÕES OMISSÕES
O PADRE OLHA A BUNDA DAQUELES LINDOS MENINOS
HABITUADO HOMEM DE CULPAS ETERNAS
ELE VÊ QUE É VISTO POR UM DEUS PAGÃO
DAS ÓRBITAS RETIRA SEUS OLHOS
METE-OS NA CAIXA AO COLO
SEUS DEDOS DESFIAM E VASCULHAM A OBCENA CAIXA BÍBLIA,
TACITURNO INSTANTE EM QUE SEUS MISTÉRIOS
VOMITADOS PELSO OLHOS ESTE DEUS ENCONTROU
NO CORPO DESTA BATINA UM HOMEM NÚ E INGÊNUO,
LAMBIDO PELOS OLHOS SACROS
NOS DEGRAUS DESTA CATEDRAL
NO CONFESSIONÁRIO DA SUA CONSCIÊNCIA
ENRUBESCEU E SAIU
NA NAVE SOAM SONOROS ESTERTORES SENSÍVEIS
RESSOA O CANTOCHÃO
AS LADAINHAS
MELISMAS DAS DORES EM DESERTOS VERMELHOR, AZUIS E AMARELOS
VITRÔS, VITRAIS, VIDRILHOS
MANTOS DE POMBAS SALPICAM A PULCRA SANTA
SEUS OLHOS CRAVADOS EM ALGUM MISTÉRIO
RUBROS E ENCARNADOS
PÉS DEDOS BOCAS ASAS
SANGRAM SEM PULSAR
BRANCO MÁRMORE NEGRO
SANTAS POEIRENTAS
DOURADOS GUMES NAS SUAS COROAS
RECLAMAM A SAÍDA
ESCADAS ABAIXO ELAS OLHAM
PIEDOSAS,
INVEJOSAS
DAMO-LHES AS COSTAS
ESPELHOS DE TODOS OS OLHOS
VOSSAS SENHORAS DE NEGRO
DESEJOS DE HISTÓRIAS QUE CHORAM
SANGRA SOB O MATO DESTAS SANTAS
O CORPO DE HOMEM NÚ
SUADOS DE PARAFINA
CRAVEJADOS DE PEDRAS
BRILHANTES DESEJOS FERVILHAM NO SEU ESTANDARTE E NAS SUAS COROAS
TOCA A BOCA DO ESPELHO A BENTA AGUA
ESCORRE UM VALE DE LÁGRIMAS DE VELAS
CERA DE TODAS AS VAIDADES
DAS VAIDADES ESTA REZA
DA PIEDADE
É IDÊNTICA À IMAGEM DESTA OPALINA CATEDRAL NA CIDADE
INÚTIL COFRE DE DORES, TILINTA O NOBRE QUE COBRE SEUS OLHOS E CHORA AOS PÉS DO MENINO QUE GRITA SOCORRO NA FOME
ESPELHA ESTA LUZ DA RAZÃO
DE HAVER PLANTADA NESTA VELHA CIDADE
O MUNDO QUE BRILHA AOS RESTOS DE TODOS OS OSSOS
DO GREGO GOZO - DO ROMANO IMPÉRIO - DA DEVASTAÇÃO DAS AMÉRICAS - DA EXPLORAÇÃO DAS ÍNDIAS DO ORIENTE ATÉ ESTE OCIDENTE SEM PLEXO SOLAR
ERGUE-SE ELA IMPONENTE,
VITORIOSA VERTIGEM DE TODAS AS PRAÇAS DO MUNDO
ONDO SOAM OS SINOS NOS FINAL DAS TARDES
NESTE SÉCULO E MEIO DE LÁGRIMAS ESPALHADAS PELOS TURÍBULOS
EM MÃOS QUE NUNCA ASSENTARAM UMA PEDRA
NEM TUDO É APENAS VAIDADE
HÁ O PERVERSO, HÁ O CRUEL
QUASE TUDO VELEIDADE
E MERAS SÃO ESTAS PALAVRAS
A ESCORRER NUM CÁLICE OUVIDO TORPE
VERTIDAS NO ÁTRIO DESTE DUCTO DA INCONSCIÊNCIA
EM MERA VERTIGEM DA LÍNGUA
NUM BANCO DENTRO DO DUOMO EM MILÃO
EVOHÉ! EVOHÉ! EVOHÉ! EVOHÉ! EVOHÉ! EVOHÉ! EVOHÉ!
Milão, outubro 2005
Ao bom homem de coração pomba,
ao amigo Césare de Vitta
*







19.11.07

Escrevinhador de textos

*
Levante o sol um dia claro e Londrina amanhece em novembro, 2007




Eu temo pelo destino dos textos que ainda não escrevi.

*

Verbo derrisivo



*



AMAR


raiz de tantas experiências






AMARrar
AMARrotar
AMARgurar
AMARfanhar
AMARlotar
AMARotar
AMARelar
Derrisão desejável
a si ou a alguém?
*

20.10.07

Bicho de sete cabeças

*


Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça, não tem coração que

esqueça
Não tem jeito mesmo

Não tem dó no peito, não tem nem talvez
Ter feito o que você me fez, desapareça
Cresça e desapareça
Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem coração que esqueça, não tem ninguém que
mereça
Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
Bicho de sete cabeças




Geraldo Azevedo

*

12.10.07

V i S M O t r i X

Teatro de Marionetes


Apresenta
V I S M O T R I X
um ensaio sobre a alma das marionetes

V I S M O T R I X

atma
fôlego
força motora
estado de ânimo
alma do movimento

Respiração e Gestualidade das Marionetes
As personagens ganham vida nas mãos dos atores que ficam à mostra. Cena baseada na antiga tradição das marionetes japonesas, a reconstrução do mistéria da vida no teatro a partir das técnicas de animação do teatro Bunraku.


D i r E ç ã o
Mauro Rodrigues
A t o r e s - A n i m A d o r e s
Bruna Villa, Carol Knoll, Daiane Baumgartner, Daniela Pagnoncelli, Fabíola Gonçales, Robson Barbosa, Roger Valença.


E S T R É I A
(para adultos)
16 DE OUTUBRO
TERÇA-FEIRA

às 20:30horas
T E M P O R A D A
(para todas as idades)
16 a 18/ OUTUBRO
23 a 25 /OUTUBRO
terças às quintas-feiras
às14:30 horas

LOCAL
TEATRO SESC LONDRINA

Jornada SESC de Artes Cênicas
endereço: Rua Fernando de Noronha, 264 - Centro
E-mail: londrina@sescpr.com.br
Fone: (43) 3378-7800



P r o D u ç ã o
Teatro Imago - Teatro de Marionetes
SESC - Londrina

A p O i o
LATEA - Laboratório de Teatro de Animação
UEL /MUT - Departamento de Música e Teatro – CECA - UEL
O Teatro Imago - Teatro de Animação de Marionetes é resultado parcial da primeira etapa do projeto de pesquisa em ensino “Estudos de Poética e Pedagogia do Teatro”. Coordenados pelo Prof.Dr. Mauro R Rodrigues, no Departamento de Música e Teatro do Centro de Educação, Comunicação e Artes, CECA - da Universidade Estadual de Londrina.
CONTATOS:
fone: (55) (43) 9155 - 5580

Solstício






*

afeição de luz é pele



*




Jericoacoara, julho 2007







nôh-turno

*




há dias a noite tarda.
há dias a noite avia-se.
há dias a noite não chega.
há dias em que a noite não vem.





jericoacoara, julho 2007
*

25.9.07

Exéquia

*
* 22 março 1923 - Strasbourg
+ 22 setembro 2007 - Cahor



*

23.8.07

"A fúria da beleza" Elisa Lucinda

*
"maria-sem-vergonha". Jericoacoara-julho 2007
O almoço de aeroporto não me cai bem. Sabor de nada na boca. Vazio fundo no estômago. Comida sabor rotas aéreas. A língua fica com gosto de vento. Caminho sem rumo entre as paredes que separam nada de lugar algum. Nenhum interesse em particular. Corredores para se andar devagar, para vagar. A espera a esperar... Em qualquer parte dos aeroportos não é difícil encontrar infinitos... corredores infinitos. Cresce o desejo de retornar e rever uma vez mais o grande mar, as ondas. Apenas reclamo meu direito de repousar... Logo mais... Anseio retornar aqui e ali, em cada um dos corredores, de volta aos braços e abraços... A cidade das férias cheira ranço, mijo de rato, barata, antigos e seus guardados. Veio voraz, vindo do book store, um sopro que lembrou o sabor de viver (reviver). Trouxe sangue de volta à língua, quase vomito, e book store -- nome estranho para uma casa de repouso para livros que esperam... Olham-me os livros. A estante milimétrica desarruma meus olhos. Entorno a cabeça de um lado a outro, e de novo, e de novo... eu enjôo. Poeira de cansaços no colo. Disfarça-se ela, ali também, a poeira sobre o verniz dos analfabetos que insistiram em arranjar os livros sabe-se lá em qual ordenação. Alfabetizou-se o livreiro numa mistura da socioeconomia com a política e a poesia. Book store. Entendi! Volto ao enjôo e ao sabor de sangue na boca: A Fúria da Beleza é que sussurra. Ah! É a tal Elisa Lucinda que me gritou algo ali, entre a auto-ajuda e os demais desarranjos dessas letras entre capas à espera de leitores que se atrasam. Sorri uma maria-sem-vergonha, desabrida, na contracapa. Ela é rosa e lavada de luzes solares, olha-me, a poeta, atenta e distraída, na contracapa, num sorriso negro franco e maroto. É madura a menina poeta (ou seria poetisa, que é nome bem estranho... asas ao meu cansaço. Desculpe-me o leitor (a)). E ela sorri. Ri-se, será do que? Para que? Entre as páginas que ouso abrir, as palavras dela, meus deuses!, elas saltam e gemem. No título do livro, guardadas entre as lustrosas capas, logo na primeira folheada, mostram-me ao que veio e qual e tanta é esta fúria. Maria-sem-vergonha lambeu-me os olhos e ouvidos (sim, que eu leio também com os ouvidos). Contou-me em poucas palavras letradas das surpresas que se mostram nos mistérios que eu mesmo vi e li na vidoca destas férias. Uma certa distração, distrai-mento da alma ao encontrar-me com os Hibiscos e a maresia. E foi assim, de letra em letra, na vida, nesta leitura e nesta ou em outra viagem que eu revi ali, nas letras da Lucinda este amor que transborda e vê nos olhas desta moça, na foto da mesma flor, feita então na longa praia, mais que a forma da flor ou dos olhos dela. Mais atenção! Eu retorno. Enfio-me nas páginas para vasculhar mais letras e segredos nelas. Reencontro as paisagens solares, soturnas e as maresias, todas minhas, adiantadas nesta poesia. Não consigo parar. Amigos já diziam: leia-a!, parece, você... bem, gostaria. Então deixei repousar. E veio agora. Ela está toda enfeitada de flores para este nosso encontro, nas apresentações, adesivos da infância aos 40-44, Lya Luft na folha de rosto, outros decalques, distrações, desenhos a lápis, subtítulo imprevisível: "o 1º livro de adultos para colorir!" Adoro a acentuação! Admiro! Ah, memória... O gosto de céu na língua cortou-se em definitivo. Adentro páginas. Nélida Piñon, antes, adverte: "linguagem em chamas", "palavra plástica e ávida", "despudor e palavra". Muitas e tantas palavras com sabor. Minha caixa de lápis de cor. Recordo e imagino à mão agora. Colori cada uma destas palavras. Leio no vôo. Leio no vento. Lento que é pra não acabar logo o prazer. Ler é quase uma tortura, dessas que se fazem os amantes, prolongando prazer e gozo quase ao infinito que é morrer num orgasmo... De capa a capa, meus lápis, meus óculos, a paisagem solar laranja e roxa do sol que faz sonhos nas nuvens. Falta-me apenas um pedaço, uma porção de nuvem azul, no final desta tarde, sob sol espetáculo. Então deixei este, uma porção, para melhor saborear no reencontro apaixonado e agradecido por haver que faz palavra para os olhos. Agradeço Lucinda e à língua e à pele dela, pelo milagre da redenção do meu gosto, meu prazer. Indescritível sensação esta, não particular, sim de tantos outros leitores, que as letras dela, numa fração, conceituem o que é desde sempre buscado. Encontro-me descrito à justa saia do bom português, vestido nas pernas com a teoria estética da Lucinda, feita da melhor maneira: obra de arte despudorada, na poética em gozo de explícitas letras. É fúria esta moça, a Lucinda, a Fúria da Elisa. A sua beleza em letras é boca de deus, um theos-oros. E eu, então, agradeço e presenteio com um poema dela..
*
Estupidamente bela
a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada.
É um pá. Um tapa. Um gole.
Um bote nos paralisa, organiza,
dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda
a beleza doeu profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar,
por causa e uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária,
brotada da trivialidade do mato,
nascida do varejo da natureza,
me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo
e me pôs a mesa...
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda,
quase tristeza.


Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
Porque é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força
que eu dei de soluçar!
O esplendor do que eu vi era pancada,
era baque e era bonito demais!


penso, às vezes, que vivo para esse momento
indefinível, sagrado, material, cósmico,
quase molecular.
Posto que é mistério,
descrevê-lo exato perambula ermo
dentro da palavra impronunciável.
Sei que é desta flechada de luz
que nasce o acontecimento poético.

Poesia é quando a iluminação zureta,
bela e furiosa desse espanto
se transforma em palavra!
A florzinha distraída
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo,
como aquele ápice do prazer
que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que, de tão bom, é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede pára
querendo que e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo
não se agüenta mais,
sabe como é?

Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!
Noite clara, 8 de abril de 2003

*

22.8.07

Gérberas

*

Flores de palavras

Umas poucas e boas palavras saíram em toada. Estão elas ligadas ao azul e verde no corpo cristal do vaso, à madeira da cadeira, da mesa, da cama, na sala, no quarto. Os lençóis e outras fibras estremecem com a vibração delas. Elas impregnaram a sua presença na sala, no quarto, na biblioteca. E aos viventes daqui, pouco a pouco, fazem no ritmo delas também nós dançarmos. Todo o espaço e tempo e os viventes as tais palavras reverberam sem distração, prenunciam festa, retratos, passeios, o sol das manhãs de domingo. Recontam elas, àvidas, da sua primeira e rápida visita à casa, à mesa, à cama, ao abraço. Prenunciam a sua nova chegada. Elas, as palavras, umas poucas, mas boas, em sussurros furtivos, estão agora mesmo em toadas a contar: apaixonadas!

*

Dia e outro,
Amado,
Desfia o tempo.
Distância,
Lembre,
Amor,
Esqueça!

Dia e noite,
Amado,
Desafia o tempo.
Meus delírios,
Sensíveis desatinos,
Aos abraços,
Amado,
Amorteça!

Dia e noite,
Amor,
Fia o tempo.
Miolo negro,
Pétala a pétala,
Floresce gérbera.
Coroa o laranja
O nosso amar-elo.



*

29.5.07

Tecer Teias

*
Aranhas de patas tintadas negras tecem garatujas no lenço opalino do papel. Rápidas elas patejam sem que seu movimento se perceba. Adiante se adivinham rastros, trilhas, ramas a desenhar tessituras em palavras de fibras furta-cor. As páginas correm soltas entre os dedos. Os olhos deslizam aqui e ali, avançam e param. A dança das aranhas emprestam ao leitor seu ritmo, seu gosto, sua tessitura de sabere sedozos.

Fibrila o desejo do leitor: asa

Ariadnes em marchas sincopadas, arranjam hordas de letras alinhadas entre margens de sentidos. Invisíveis, visíveis, coagulam as palavras em similaridades e contigüidadesas mais estranhas às letras que se tornam palavras. E avançam, texto e leitor, entre finos rabiscos e abismos de sentidos. As margens invisíveis ordenam traço, letra, espaço... E rumo ao sem fim de léxico, sema, signos, metáforas e topoi. Alfarrábios de civilização, rolos e maços em estantes fechadas, portas para um mundo que existe sob as patas das aranhas gráficas. Surpresas em textos, aventuras em linhas, mistérios em garatujas. São amorosas as aranhas gráficas. Há tanta vida entre as teias delas. E não haverá trégua, acomoda-se o adiantado leitor. Ler!

Arma-se a linguagem: asa de mosca

Pela testa do leitor escorre lenta uma gota e outra de suor. As aranhas correm rápidas e dispersam-se. Correm retas novas linhas, desarranjados caminhos. As marcas e as patas delas esbarram sem sentido nos limites da página. Manchas escorrem grossas, borram-se as letras margem abaixo. Um assopro, um suspiro e mais outro. Sem socorro, as letras estão borradas. Sem palavras! Uma ilha negra brota no centro dos alinhamentos. Manchas e borrões em ilhas de desordem entranhadas nas fibras da seda opaca. Uma e outra gota de suor bastou, fez-se noite entre as letras. Garatujas ébrias e a civilização do texto posta em grossas nuvens de borrões. O movimento de pensar o mundo em letras, não mais se lê, nem palavras, agora é trilha de incertezas. Em meio ao cansaço e o suor desta noite perde-se todo sentido. Sem os fios das letras e sentidos, a memória de Aridne está presa num labirinto sem muros.

O devaneio opaco: asa de mosca na filigrana

Gotas cedem ao calor da lâmpada que pende sobre o papel e o aquece. Acolhidas nas rugas desabrochadas na trama porosa, por hora, marcadas de rastros, de certo as gotas secam. Vapor. Borrão algum deixa de ceder à luminosidade. A luz seduz!
As letras não se cansam de estar no mundo para revelá-lo? Quem saberá? As letras são ilhas de solidão. Ler e ser o mundo dito, narrado ou descrito, restritivo este espaço da página que o aprisiona entre capas. A leitura macula o tempo da língua viva, desbasta as coisas em letras, faz do mundo palavra e espírito. Que se leia o livro! O leitor abandona o vão esforço de jogar qualquer luz-compreensão e dissolver as manchas do texto borrado.

A vertigem dos olhos: asa de mosca na filigrana de teias

Na face borrada, sumidouro das letras, há estranhas linhas sem margem precisa. Manchas de cor acinzentada e negra cedem ao translúcido que surge sob o calor da luz. Abruptas ilhas de marcas d’água desenham-se no papel em vergões e cicatrizes do movimento do suor escorrido. Entrementes o tempo passe num átimo, sob o calor da luz germinam uns finos veios de cristais na página suada. Iridescentes brotam aos olhos as fadigas do pensar induzido pelas palavras. São uns cristais bem toscos, ínfimos nas ilhas de suor ressecado. Umas luzes falhas, umas faltas a ressecar as malha e lascas e gomas deste papel. Sempre haverá o que ler e ver. Retorna o leitor à bancada. Tentativa renovada de sentidos para estes cartões de manchas: singular livro, testes de Rorschach.



A vertigem dos olhos: asa de mosca na filigrana de teias furta-cor

A seguir, adiante! Estranhas figuras parecem dar nova mira ao leitor. São marcas de olhos enegrecidos em sombras a margear e centralizar uns focos nas ilhas. Reluzente imaginação a deste leitor. Olhos fatigados da imprecisa brancura da seda opaca e das letras. Adivinham-se as miríades de formas translúcidas. É possível ler tudo e todos. Um recurso último haverá compreensão. Uns cem números de pequenas luzes aparecem. Rastros da cristalina imaginação. E rebrilham também estas luzes numas falas, numas tentativas. Quantas luzes faz o pensar alheio, não é!? Mostra-se o papel: um mar de insuspeitadas e esboroadas letras. Possibilidade, gravidez de formas cinza e uns poucos cristais.

Asa de mosca na filigrana das teias furta-cor

Quisera eu, neste instante, uma outra idéia pudesse vir em meu socorro. Além de escrever ou de ler, tiraria este leitor da faina de compreender. Gostaria de apenas dizer-lhe para ver. Faria, quiçá, brotar mais que a mera descrição dos laços e riscos disformes dos diamantes lapidados pelo seu suor de cansaços.
Ah, amigo leitor, onde era opalino, se eu pudesse, faria nascer pra você um poema, um verso, um quadro de imagens.
Não viesse eu destro apenas nas limas, tesouras, agulhas, um modesto perseguidor de rastros das aranhas alheias... E mais disciplinado eu fosse, quiçá mais amigo, quem sabe, diria a você de viva voz umas rimas a sovar esta experiência incrível que é ler e dizer.
Umas falas, uns diálogos presentes no mundo, algo para além das páginas. Não fosse isto, tal imagem nascente daquela ilha, das formas luminosas dela, do suor... Eu então tentaria novamente escorregar patas de aranha da garganta em formas afeitas mais à alheia imaginação... Quiçá! Quiçá!... Quem dera quimeras!
Tivesse eu um poema à mão, na memória, então faria disto aqui mais que um ponto de vista. Traria as armadilhas da língua em verbos postos no ar. Seriam saraivadas de estímulos para novas danças de patas tintadas a rebrilhar no espaço de um círculo de amigos. E então recontaríamos nossas histórias. Faríamos nossas fábulas.
Quem sabe, saltaríamos prosas, poemas ou ainda alguns verbos cantados. Realinharíamos as trilhas das fastidiosas aranhas em patas mais bem tintadas apenas para registrar estradas, mapas dos nossos encontros. Grafaríamos umas tantas tramas de desatinos, histórias para ver de novo os amigos, na funda das filigranas de teias, junto à carne, ossos e sangue das palavras-letras de novos e melhores leitores.

*
Um afago ao Leodmar, leitor atento, pelo empréstimo de seus bons olhos

28.5.07

INTERVALO





*



Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
-Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?
...Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca
-A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.







Fernando Pessoa

*

23.4.07

As Marionetes e o início do Teatro Imago

*

Marionetes de Mauro Rodrigues.
Ensaio do Teatro Imago
Fotos de Camila Fontes
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******** *

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*fotos: Camila Fontes*
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As sete marionetes que se mostram nesta série foram produzidas por mim com a assistência de Daniel Camargo e do grupo que as anima nas fotos. O ensaio fotográfico é de Camila Fontes.
Reproduzi nelas traços e características que remetem à aparência física, vestuários e penteados dos músicos da banda de rock suíça Fusion Square Garden.
Elas são animandas com fios e varetas. Atuaram no vídeo clipe daquela banda, produzido por Thomas Kaufmann para a Sony Music Suiça em abril de 2006.

aqui + fotos
marionetes e músicos
&


*
Fusion Square Garden


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Feitura das Criaturas





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foto de Thomas Kaufmann

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22.4.07

roda-pé mundo

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Curitiba/março/2007
*