Eu escolho; eu quero; significam, na realidade, eu devo, o que quer dizer: a impossibilidade de ser, de agir, de querer, de escolher, é na realidade a impossibilidade de agir, de escolher e de querer de modo diferente de como é, isto é, das condições de fato implícitas na situação que nos constitui.
3.3.07
Sart(r)e de banda: ser quase nada
Eu escolho; eu quero; significam, na realidade, eu devo, o que quer dizer: a impossibilidade de ser, de agir, de querer, de escolher, é na realidade a impossibilidade de agir, de escolher e de querer de modo diferente de como é, isto é, das condições de fato implícitas na situação que nos constitui.
24.2.07
18.2.07
wonder, Ander
10.1.07
Teicoscopia
Cena de Homero (Ilíada; 3, 121, 244), na qual Helena descreve a Príamo os heróis gregos que só ela consegue enxergar. É um recurso dramático em que uma personagem descreve o que se passa nos bastidores de uma ação, no mesmo instante em que o observador faz o relato disso. Evita-se assim representar ações violentas ou inconvenientes, dando ao espectador a ilusão de que elas se passam realmente, e que ele assiste a elas através de uma pessoa interposta.
Para rever (re)cantos do mundo próximo e distante, inverto as lições da ótica: amores à proximidade ou grandezas inimagináveis, cristais convergentes; aos fiapos, farpas e outras dispersões, cristais divergentes. Lentes para adivinhar abismos que a mão sente na face mal escanhoada Sejam vidros, resinas e ou cristais, veja você bem, absolvem-nos da culpa de não ver tudo. Entrega-se à falha dos olhos a natureza torpe de nada saber à exaustão. Também, qual a razão em exaurir o mundo à faina da explicação?
Olhar é, mesmo de segunda mão, um pensamento. Bifocal, multifocal, ao menos até os próximos dias, limitados ou ampliados meus olhos. Senão o mundo, às impressões monofocais eu me entrego.
Sem expectativas de ir além, o que de olhar ou futuro dependa para as luzes exibir ao mundo, abstenho-me de perscrutar. Apenas a memória, mais que pensar, sempre será exercício um tanto exaustivo.

Astigmatismo, miopia ou hipermetropia dos pontos de vista são efeitos devastadores aplicados à sempre seletiva memória. Jamais se conta toda a história. Confundem-se próximos e distantes, dentros e foras, margens, continentes e conteúdos.
No jardim de Ryoan-ji, um dos templos de Kyoto, Japão, há quinze grandes pedras espalhadas sobre o tapete ondulado de pedregulhos brancos. Elas estão cercadas por um muro atelhadado, pintado de amarelo alaranjado e lavadas sempre pelo sol e chuva. Sabe-se que são sempre quinze pedras. Então se sente próximo à fonte, junto das pedras. Olhe apenas! Uma pedra estará sempre escondida: o zen, o esvaziamento... Serão estas quatorze ilhas de pedra e musgo ali diante dos seus olhos. Obeliscos entre pedregulhos que esmaecem e ondulam entre os espaços vazios, espaços em branco. Adivinhe os quatorze monstros de pedra que se adiantam em sutis movimentos sob o seu olhar. No fundo da imagem, no muro, um céu com o sol poente. Encimadas por musgos, as pedras maiores flutuam num mar de espumas de cascalhos todos os dias penteados por habilidoso monge. Os olhos contornam as paisagens, criando outras. Sempre olhamos, mas nem sempre percebemos, vemos e nos damos tempo para fazer funcionar o nosso imaginário. Compreensão de vermos e não vermos, percebermos, se atentos, se...
Midas às cegas
Acomodo-me à poltrona para dar olhos ao redor ínfimo e aqui, ao que é quase adentro: casa e colher e amar. Tenho luz suficente.

RISO ACIMA
RISOS EM RIMA
RIO ABAIXO
RIO IMÃ
assombros
névoas
nenhuma metáfora.
O ponto de vista de curta distância, compreendido pelo espaço mínimo que separa os olhos do umbigo, tantos se comprazem e divertem-se em manter, entretanto, não está implicado no ofício ao qual eu abraço (ou estou enlaçado). A vidência de março a dezembro injeta sangue nos olhos, a professia é o além - nos outros meses eu esqueço. Tratamos de pretéritos quase perfeitos, compostos pelo subjuntivo e indicativo. Eu e Austin temos bem vincado nos ombros algum passado, desde há muito. O que é feito das suas névoas, Austin? Conta-me delas.
Eu tenho mesmo um vergalhão nos olhos, que Austin reconta. E ele deve ter os seus. Meus ombros evidenciam farrapos de nuvens. Exercícios para perceber sensivelmente e percebo que nada percebo. Arre, fora daqui Sócrates, vá beber deste cálice em outra parte.

O trovão no meio do lago
A imagem do SEGUIR.
Recolhe-se ao anoitecer
Descansa
Recupera-se
Troco de posição na poltrona. Eu vou mudar novamente de assunto.
Foco com os cristais que repousavam sobre o criado mudo (vidente agora). Tenho alguma dificuldade para me adaptar à visão monofocal. Mas é confortável viver a desilusão de ótica: a casa e a colher, memoráveis amores, são distantes. E Austin dispara:
Austin parece não conhecer as alegrias espontâneas que brotam das pedras que se escondem no jardim do templo de Kyoto. As coisa nem sempre se mostram, Austin. As alegrias do vivido, Austin, diz a oração de São Nietzsche, não traz paz ou visão. Estas precisam sim de serem tecidas com vistas à tecer a seda verde que faz as brumas dos ombros acomodarem-se nos dias presentes.
A cabeça pesa novamente sobre a seda verde. Enterrada entre ombros outra vez mais as densas brumas não trazem paz. Apesar de olhos limitados, eu repouso as brumas sobre seda verde. Repouso, Austim mais que penso.
Adivinhar meus olhos limitados lembra-me a lógica entre as coisas e os pontos de vista, que consta no dilema filosófico do crocodilo, desculpe-me a imprecisão, mas não consta que tenha havido autoria certa. Mas é ela assim:
Da janela de meus olhos, apesar das vistas reduzidas, ainda assim, as paisagens e o horizonte interessam-me em sensações fabulosas. Já que Austin ensinou-me que eu nunca vejo, mas sinto, neste domingo distraio-me com a ausência das lentes, entre os efeitos da refração da luz no fundo do meu olho. Tenho névoas óticas, porvir de superfícies esboroadas pelas brumas e bem evidentes estão meus ombros. Certa alegria meus olhos glandularmente lacrimosos permitem. Lágrima orgânica, não lógica, transcendental, sentimental ou de qualquer outro dilema, Austin. Choro à janela, deitado na confortável poltrona. Limitada acuidade visual, esforço-me para tentar o mais além das belles lettres à academia de Austin. E eu vou mesmo mudar de assunto.
Aquilo que pensamos ver, a qualquer momento, pode ser muito diferente daquilo que estamos na realidade detectando visualmente. Na verdade, vemos e sentimos muito pouco.
Cada nervo em nosso corpo está limitado a levar somente um tipo de sinal ao cérebro – ou se ativa, ou não. A velocidade do impulso pode variar de nervo para nervo, mas é fixa para cada nervo; a resposta é ‘tudo ou nada’. O impulso nervoso é relativamente lento: a taxa mais rápida, para algumas das fibras nervosas longas e espessas que percorrem muitos centímetros pelo corpo, é de talvez 300 pés por segundo (91,437m), mas os nervos menores, tais como aqueles do sistema visual e cérebro, transmitem somente a um décimo desta velocidade. (Smith. Compreendendo a leitura. 1989)
Primeiro encontro a VII parte d’As três emoções básicas, do redentor São Spinoza, na passagem as emoções ativas:
Todas as emoções se originam da satisfação, do desejo, ou da tristeza. Porém, entendemos por tristeza aquilo que pode diminuir ou reduzir a potência da alma, e assim, enquanto a alma está contristada, sua potência de conhecer, quer dizer: de agir, está diminuída, ou contrariada. Não há pois emoções de tristeza que possam se relacionar com a alma, enquanto é ativa, senão somente as emoções de alegria e do desejo
uma solidão propícia às invenções, uma chave e uma álgebra
A respeito deste meu viver distraído que, mesmo cedo, faço-me um cego em pequenos regozijos, mais uma álgebra agora, um desafio: quantas tentativas para ver à distância, entrevejo, se as evidências são sempre proximidades aparentes.
31.12.06
25.12.06
Natalício

25 de dezembro,
lembro-me bem,
manchete em todos os jornais:
"Rir da morte é morrer de rir?" Liberati
I Feel Good
Whooooau! I feel good, I knew that I would, now
I feel good, I knew that I would, now
So good, so good, I got you
Whoa! I feel nice, like sugar and spice
I feel nice, like sugar and spice
So nice, so nice, I got you
When I hold you in my arms
I know that I can't do no wrong
and when I hold you in my arms
My love can't do me no harm
and I feel nice, like sugar and spice
I feel nice, like sugar and spice
So nice, so nice, well I got you
Whoa! I feel good, I knew that I would, now
I feel good, I knew that I would
So good, so good, 'cause I got you
So good, so good, 'cause I got you
So good, so good, 'cause I got you
24.12.06
Decifro-me: eu devoto
*
*
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
_ que é questão
de vida ou morte _
será arte?
18.12.06
m.o.r.t.e a.r.t.e.f.a.t.o
*
Sapatos definitivos,
goma branda na face.
Rumo a lugar algum,
mortes vividas sonho.
Visto festa solene,
Cheiro à cipreste,
Lacrimejo parafina,
Alguidar é meu corpo vazio.
Janela sem paisagem,
Réquiem à minha memória,
Réplicas carpideiras,
Perpétuas florescem nos pés.
*
eu tomo aqui palavras trocadas, emprestadas, ou seria parceria. Sensível habilidade, ao Francis eu agradeço.
*
Vanity!
*
Cálice de letra por vir.
Palavra tanta, toda e outra a mais.
Estado sutil, sensação num quase verbo.
Na forma falha tamanha,
Brecha sem fim
Que foi assim que daqui sumi.
devolve móveis
esquece baús
troca chaves
fecha portas
guarda lacres
bebe vergonhas
enfrenta quedas
( seria já um junho ido, findo)
Na infância havia a chuva, bijú de lata, catraca e matraca a romper silêncios nas tardes e noites sem fim.
Na infância havia, mesmo com dor de dente, doce de coração, suspiros amarelos, rosas e azuis brocados com gotas de prata e luar a não perder mais.
Na infância havia, mesmo à noite, pé na lata, mãe da rua e esconde-esconde nos terrenos baldios dos troca-trocas e segredos e risos em noites descobertas.
Na infância, mesmo que fizesse frio, havia toalha com água umedecida para banho morno com alfazema.
Na infância havia inverno, goteiras nas latas, franjas da casa com orquestra de tatibitati de tantos chuviscos.
Na infância havia cigarra, apesar de todo adulto, nas árvores de todo verão
Na infância havia o que mais haveria.
17.12.06
13.12.06
A complicada arte de ver
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode àCebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos eos rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda asua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do"terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa — garrafa, prato, facão — era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas — e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...
*
12.12.06
Kaváfis
* Alexandria, 29 de abril de 1863
+ Alexandria, 29 de abril de 1933
poeta morre no mesmo dia em que nasce
Viagem a Ítaca
Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
Deseja que o caminho seja bem longo
para que haja muitas manhãs de verão em que,
com quanto prazer, com tanta alegria,
entres em portos que vês pela primeira vez;
Para que possas parar em postos de comércio fenícios
para comprar coisas finas, madrepérola, coral e âmbar,
e perfumes sensuais de todos os tipos -
tantos quantos puderes encontrar;
e para que possas visitar muitas cidades egípcias
e aprender e continuar sempre a aprender com os seus escolares.
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
*